A entrevista foi realizada em inglês e publicada no portal da CLOCKSS e traduzida por Gildenir Carolino Santos para a Revista Brasileira de Preservação Digital
Miguel Angel Márdero Arellano, coordenador da Rede Brasileira de Serviços de Preservação Digital do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Rede Cariniana/Ibict) concedeu uma entrevista à Alicia Wise, diretora do CLOCKSS. A conversa aconteceu durante a ‘Researcher to Reader Conference’, realizado em 21 de fevereiro de 2023, na mesa “What is cooking in the long-term preservation of scholarship?”.
Confira abaixo a íntegra da entrevista:
P: Os pesquisadores devem se sentir confiantes de que suas contribuições na pesquisa científica estão seguras a longo prazo? Pesquisas recentes de Michelle Polchow na UC-Davis sugerem que ela só consegue encontrar evidências de que 40% de sua coleção de periódicos está preservada em arquivos digitais.
Miguel: Eles podem estar confiantes se seus resultados de pesquisa forem depositados nos sistemas de informação de bibliotecas e arquivos de instituições que têm políticas, planos e estratégias em vigor para a preservação digital a longo prazo.
P: Onde estão as prováveis lacunas no registro acadêmico e como podemos preenchê-las?
Miguel: Haverá lacunas quando os materiais forem distribuídos ou publicados sem nenhum compromisso público e transparente de preservação para garantir o acesso durante um longo período de tempo. Os gerentes de sistemas de informação precisam informar sobre os procedimentos de
preservação que têm em vigor, que verificações periódicas fazem e ter uma clara avaliação de risco e estratégia de mitigação das possíveis falhas desses sistemas.
P: O Brasil, o Canadá e os EUA estão no mesmo hemisfério. Vocês compartilham abordagens de preservação ou estão fazendo coisas diferentes?
Miguel: No caso do Brasil, as iniciativas para a preservação dos resultados acadêmicos e científicos estão dando seus primeiros passos, mas uma que já está consolidada é a preservação a longo prazo de todas as revistas científicas brasileiras no software LOCKSS gerenciado pelo serviço Cariniana do IBICT. O software LOCKSS nos permitiu a oportunidade de aprender sobre preservação digital em uma rede colaborativa.
P: Como as atividades de impressão e preservação digital se encaixam em uma biblioteca universitária?
Miguel: Ambos são parte do mesmo processo. As técnicas de preservação de material impresso já existem há muito tempo. Bibliotecários, museólogos e arquivistas têm hoje experiência em uma ampla gama de novos tipos de informação, tanto nascidos digitais como digitalizados.
P: Vocês preservam o conteúdo ou a funcionalidade ou ambos?
Miguel: No caso do material impresso, o conteúdo sempre foi mais importante. Agora em formatos digitais a funcionalidade dos objetos depende de muitos fatores e é necessário garantir que o conteúdo permaneça acessível e que possa ser expresso e usado de diferentes maneiras.
P: O que o senhor diria aos editores para encorajá-los a fazer mais para preservar o conteúdo que lhes é confiado para divulgar?
Miguel: Eu diria a eles para conversar com bibliotecários e arquivistas que tenham conhecimento especializado em preservação digital. Por favor, documentem também seus formatos e tenham bons metadados que são essenciais para a preservação digital para o futuro. A Política de Preservação Digital do Modelo NASIG foi escrita com os editores em mente e pode ajudá-lo a começar: https://nasig.org/NASIG-model-digital-preservation-policy.
P: Como um editor sabe se deve ou não confiar em um arquivo que afirma fazer a preservação a longo prazo?
Miguel: Um arquivo confiável é aquele que demonstrou sua capacidade de preservar o conteúdo e sua usabilidade a longo prazo. Isto pode ser demonstrado através de meios como:
– Mandato e financiamento demonstrados
– Um histórico comprovado de preservação do conteúdo acadêmico
– Acordos claros e transparentes documentados, fluxos de trabalho, processos e avaliações de risco para garantir o acesso a longo prazo ao conteúdo do repositório
– Fornecimento aberto de informações sobre seu acervo em seus websites e através do registro The KEEPERS (para conteúdo com um ISSN)
– Certificação relevante, incluindo revisão por especialistas em bibliotecas (por exemplo, auditoria CRL TRAC, ISO:16363)
– Um plano de sucessão para que fique claro o que acontece com o conteúdo se o arquivo for afundado
P: Como é feita a preservação digital a longo prazo? O que é fácil? O que é difícil?
Miguel: A preservação digital a longo prazo depende de planos e políticas, assim como de avaliações periódicas da infraestrutura tecnológica dedicada a ela. A parte de planejamento pode ser fácil se construída por uma equipe qualificada. O que às vezes é difícil é encontrar maneiras de criar um orçamento sustentável para a preservação a muito longo prazo.
P: É mais provável que o conteúdo aberto seja acessível e utilizável? Ou o conteúdo de OA também precisa ser ativamente preservado?
Miguel: Sim, é mais provável que o conteúdo de acesso aberto seja preservável, mas a preservação não é automática. Para preservar o conteúdo aberto a muito longo prazo, é necessária uma cura ativa. Por exemplo, curadoria para garantir a avaliação constante dos esquemas descritivos e elementos de metadados do conteúdo que incluem informações sobre o formato, a origem e a autenticidade do conteúdo.
P: Há algum desafio de preservação digital que o mantém acordado à noite?
Miguel: Sempre tenho perguntas sobre o futuro de nossos arquivos pessoais e como eles serão interpretados. O poderoso império antigo do Egito pensava que em pedra sua memória estaria segura. Hoje sabemos que há muita coisa na Internet sobre cada um de nós e que todos esses dados podem ser manipulados. Por esta razão, estou refletindo sobre como a preservação digital pode contribuir para construir uma memória verdadeira da humanidade que dure por mais de mil anos e a mostre como ela realmente era.